Entrevista da Presidente de Rotary International, Jennifer Jones, ao jornal EXPRESSO

16-05-2023

Jennifer Jones é a 1.ª mulher presidente dos Rotários, 35 anos depois de o Supremo Tribunal dos EUA obrigar estes clubes a aceitarem mulheres.

O Rotary Internacional é uma espécie de federação com 1,4 milhões de membros em (quase) todo o mundo. Jennifer Jones, 56 anos, só lidera a organização porque o Supremo Tribunal dos Estados Unidos determinou, em 1987, que as mulheres tinham direito a inscrever-se nos milhares de Rotary Clubes espalhados pelo mundo. Foram precisos 82 anos para entrarem e 117 para uma chegar à presidência da organização que se tem distinguido na luta pela erradicação da poliomielite.


Cresceu em Windsor, cidade de província no estado canadiano de Ontário, separada da metrópole americana de Detroit pelo rio do mesmo nome. Foi lá que Jennifer Jones, 56 anos, teve o primeiro contacto com o Rotary Club, no final da década de 80 do século passado.

"Trabalhava como repórter de rádio e fazia a cobertura das reuniões do Rotary Club de Windsor. Só havia homens nas reuniões, eu era a única mulher na sala e estava a fazer o meu trabalho como repórter. Lembro-me de ter ficado intimidada com a presença de tantos dirigentes da minha minha comunidade. Uma década depois convidaram-me para entrar, e entrei." Foi em 1997.

Passados 26 anos, Jones é a primeira mulher a assumir a presidência do Rotary Internacional, para a qual foi eleita. A organização tem 1,4 milhões de membros espalhados por 220 países e 46 mil clubes.

O trabalho pela erradicação da poliomielite que desenvolve desde 1979 é dos pontos mais relevantes da intervenção social e comunitária desta associação assente em clubes locais. Em Portugal há 3500 rotários e o primeiro clube foi fundado em Lisboa em 1926.


É a primeira mulher a liderar o Rotary Club Internacional, uma estrutura fundada por homens em 1905. Como se sente face à circunstância tardia de ser a primeira mulher a presidir à organização?

É incrível ser a primeira mulher [no cargo]. As mulheres ingressaram no Rotary há pouco mais de 30 anos [1988], mas temos de passar pelas mesmas etapas e posições na organização que os colegas homens. Entre 2015 e 2017 passei a vice-presidente da organização internacional e achei que poderia ser o momento de começar a pensar numa candidatura [à presidência], função que me interessava, que me dava a possibilidade de – como mulher – ajudar a abrir portas a [todas] as outras pessoas que ainda não se identificavam com a nossa liderança. Não falo só de mulheres, mas também de pessoas mais jovens, homens, todas as pessoas que tradicionalmente não se reviam ali.

A entrada de mulheres nos clubes só aconteceu 80 anos depois de ter surgido, em Chicago, o primeiro clube Rotary. Foi difícil?
Foi demorada. E foi graças a uma decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que obrigou os clubes a não barrarem a entrada às mulheres por serem mulheres [decisão em 1987, primeiras mulheres entram em 1988].

Um quarto de século depois, há paridade de género nos 46 mil clubes que formam a vossa estrutura?
A minha meta é chegar aos 30% de afiliação feminina este ano, mas a estatística é agora de 27% de mulheres no total de 1,4 milhões de membros. Nas camadas mais jovens, entre os 18 e os 30 ou 35 anos, a paridade de género foi alcançada, mas há países onde as mulheres estão mais presentes nos clubes, com 30%, 40%, 50% de participação.

Em 1987, uma decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, obrigou os Rotary Clubes a não mais barrarem a entrada de mulheres por serem mulheres

Qual é o país com mais mulheres rotárias?
Estive há pouco tempo na Turquia, na zona do terremoto. Aí, já alcançaram a paridade de género. Nalgumas ilhas das Caraíbas, oscilam entre os 48% e os 52%, e alguns estados do Brasil têm cifras de participação feminina entre os 35% e os 45%.

Visitou as áreas mais afetadas pelo terramoto na Turquia. Foi à Síria onde milhares de pessoas também foram atingidas pelo sismo, depois de anos de guerra?
Na Síria não temos membros nem clubes ativos [e não a visitei]. Mas apoiamos projetos na Síria e, quando vemos algo a acontecer em grande escala – ou em pequena escala – agimos.

Têm membros na Ucrânia?
Cerca de 1600. O número cresceu durante a guerra. A nossa família rotária de todo o mundo [angariou e] doou mais de 16 milhões de dólares [14,7 milhões de euros] para ajuda imediata e esforços de reconstrução de longo prazo. Muitos Rotary Clubes de países próximos doaram dinheiro diretamente para iniciativas e projetos em curso. Mais os 16 milhões que os clubes de todo o mundo destinaram, através da nossa fundação rotária, levam-me a dizer que serão centenas de milhões de dólares. Tem havido apoio e reconhecimento das necessidades imediatas. A guerra começou há mais de um ano e continuamos a apoiar as necessidades urgentes. E estaremos lá quando a reconstrução começar, espero que em breve.

Como atuam no terreno? Num país em guerra como a Ucrânia é preciso ter apoio logístico no terreno para a logística funcionar…
Procuramos ajudar os governos em questões que consideramos importantes.

Funcionam como um grupo de lóbi?
Não somos uma organização de lóbi. Temos rotários que conhecem pessoas nos governos dos seus países e, desta forma, temos relacionamentos que nos ajudam a abrir portas para dialogar e promover financiamento adicional. Um bom exemplo do que fazemos é o trabalho de erradicação da poliomielite. Precisamos de estar bem informados para sabermos o que se passa. É esse o cerne do que somos como organização: construímos relacionamentos e uma rede em todo o mundo. Assim, quando vemos que algo está a acontecer, pegamos no telefone e perguntamos como podemos ajudar. A guerra na Ucrânia e o terramoto na Turquia e na Síria são exemplo disso. Temos membros nesses países…

Em 1979, o Rotary abraçou a luta contra a poliomielite, uma doença causada por um vírus para a qual já existia vacinação oral desde 1955. O início desta campanha ue ainda hoje mantém foi vacinar 6 milhões de crianças nas Filipinas, certo?

Começámos nas Filipinas. Mantemos esse trabalho de vacinação, rastreamento e vigilância de contactos. As duas doses de vacina oral [salvaram muitas vidas e evitaram muitas pessoas com marcas para a vida]. Essa experiência é realmente importante e permitiu-nos alavancar uma infraestrutura de saúde pública que teve um efeito positivo durante a pandemia da covid-19.

Essa rede pode ser aplicada a outros problemas de saúde?

Criámos uma infraestrutura de saúde pública em mais de 70 países. Provavelmente, é um legado ainda maior do que a erradicação da poliomielite em quase todas as zonas do mundo, porque nos dá ferramentas e oportunidade para lutar com outras variedades de doenças, incluindo a malária, e a covid quando surgiu. Quando começou a pandemia tínhamos essa infraestrutura de saúde pública instalada.

Ainda mantém campanhas de vacinação no Paquistão, um dos dois países do mundo onde a doença não foi erradicada [o outro é o Afeganistão]?

Estive no Paquistão em agosto, 11 dias. Quis ir lá para poder andar ao lado das profissionais de saúde do sexo feminino, ir de porta em porta com elas, tentar colocar-me no lugar delas e, o mais importante, agradecer-lhes. Existem dezenas de milhares de mulheres que todos os dias colocam a sua vida em risco. Várias foram assassinadas por radicais por estarem a imunizar crianças.

No Paquistão há milhares de mulheres que colocam a sua vida em risco todos os dias. Várias foram assassinadas por radicais, por estarem a imunizar crianças

Mulheres muito determinadas e corajosas…

No nosso centro em Islamabad temos uma parede [com fotos] de mártires que recorda as vítimas assassinadas enquanto faziam este trabalho. São sobretudo mulheres, mas também há alguns homens. Eles consideram-se guerreiros, e estão empenhados em garantir que todas as crianças recebem as duas gotas [de vacina contra a polio] que lhe vão salvar a vida. Partilhar a experiência daquelas mulheres foi uma experiência [inesquecível]. Tive a chance de ir com elas, de entrar nas casas, uma oportunidade que os meus colegas homens não teriam tido.

Os rotários são uma estrutura fechada? De que precisa uma pessoa para ingressar na organização?
Somos uma organização de autoavaliação, o que significa que a adesão pode ser por convite ou, também, quando alguém [que conhecemos] manifesta interesse. Conhecendo essas pessoas, percebemos quais seriam bons membros para a organização. Lutamos contra o estereótipo de sermos considerados elitistas. Não somos. Mas exigimos excelência, queremos pessoas de excelência, íntegras, [com capacidade] de ação. Esperamos ter pessoas que sejam boas na sua vida profissional e familiar, e que procurem formas de fazer o melhor pelas suas comunidades.

Está a dizer que os rotários são uma organização transversal e não apenas para pessoas abastadas?
Sim. Temos pessoas com diferentes formações, funções e empregos. Lutamos contra esse estereótipo que existe de uma organização elitista e dominada por homens.

A vossa tónica na excelência e procura de pessoas que têm de ser perfeitas em tudo quase sugere que os rotários têm semelhanças com a maçonaria. É assim?
Não. Para ser sincera, não sei muito sobre essa organização [maçonaria]. Como organização, unimos pessoas com diferentes perspetivas de vida, que vêm de culturas diferentes e são diversas na idade, religião, orientação sexual e género. Acreditamos que o nosso maior poder passa pela reunião de diversos pontos de vista. Somos não religiosos e não políticos. Desafiamo-nos e acho que essa é uma das melhores partes do que somos.

Como e quando aderiu ao Rotary Club de Windsor? Tomou a iniciativa ou foi convidada?
O primeiro contacto que tive com o Rotary da minha cidade foi no final da década de 80. Era uma jovem repórter de rádio e fazia as reportagens das reuniões da organização. Uma década depois, quando já estava a trabalhar numa produtora, fui convidada para ingressar no Rotary pelo gerente de uma estação de TV por cabo local, e aceitei. Quando entrei [na sede], vi pessoas que já conhecia, outras que não, mas senti que tinha encontrado uma casa. Pouco depois, pediram-me para liderar um projeto de angariação de fundos que tínhamos. Foi uma grande responsabilidade, mas senti que estava a contribuir para algo, apaixonei-me pela experiência, porque vi isso como uma oportunidade de retribuir serviço à comunidade.

Uma organização como o Rotary é mais importante nas cidades grandes ou nas terras mais pequenas?
É muito importante em todas as cidades. A organização dá-nos a oportunidade para as pessoas contribuírem para algo significativo. Numa cidade pequena, pode identificar-se um tipo de necessidades diferente do de uma cidade grande. Por exemplo, o clube pode avaliar que parques locais pode ajudar [a cuidar], ou contribuir para resolver problemas de insegurança alimentar. Há pessoas em grande necessidade, mesmo nas comunidades mais ricas. A pandemia foi um grande exemplo disso, e orgulho-me do trabalho que fizemos, em comunidades grandes e pequenas. Houve necessidade de perceber como andava a saúde mental das pessoas, com tanto stresse. Sermos capazes de contactar os vizinhos para garantir que as pessoas que estavam a lidar bem com o isolamento, ou para perceber se precisavam de apoio.

O trabalho comunitário é importante. Não são só os projetos internacionais…
Sim. Se um idoso não consegue sair da sua casa, temos de nos certificar de que a comida possa ser-lhe entregue. Uma pessoa com deficiência pode precisar de uma rampa em casa, por exemplo. Os rotários das pequenas cidades reúnem-se e constroem essas rampas, para criar melhor acesso a alguém com deficiência e que precisa de apoio da comunidade.

O que é um clube Rotary e como funciona?
É composto por qualquer número de membros que se reúnem. Antigamente a assiduidade era requisito primordial. O grupo reunia-se uma vez por semana ou quinzena, para ver como poderia resolver problemas, ouvir palestras, conhecer pessoas socialmente, trabalhar a rede de contactos. Com o passar do tempo percebemos que um clube pode não ter de corresponder a este modelo tradicional. Pode ser formado por pessoas jovens que se reúnem uma ou duas vezes por mês. Numa semana, reúnem-se e vão fazer serviço na comunidade, limpar um rio, uma praia, entregando cestas básicas às famílias ou algo assim. O tamanho do clube não importa. Pode ter 25 pessoas que fazem um trabalho extraordinário, já vi inúmeros exemplos em todo o mundo. Em cidades maiores, há clubes maiores com membros estabelecidos há muitos anos. Esses podem abrir diferentes tipos de portas, numa cidade maior há ligações com membros que têm ligações, para poderem ajudar em projetos maiores.

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Fotos: Tiago Miranda